A
ação lenta e contínua da Deriva Continental no clima e temperatura
da Terra
“Desde o topo da
montanha à praia do mar...
tudo está em estado
de mudança”,
James Hutton, em A
Teoria da Terra.
Variações
de temperatura média nas grandes cidades, em regiões metropolitanas
ou mesmo em localidades inóspitas e ainda despovoadas, ganharam um
contorno diferente para a opinião pública nos últimos anos. Com
base em dados meteorológicos armazenados em registros históricos,
aliado ao surgimento de novas tecnologias e de modelos aperfeiçoados
de mensuração do tempo1,
cientistas e pesquisadores avançaram com
sucesso no entendimento dos mais variados fenômenos
climáticos, bem como de suas transformações.
Embora
delicada2,
a discussão em torno das mudanças climáticas deixou a
exclusividade dos laboratórios de pesquisa, foi ao noticiário
popular3
e adentrou os lares mais comuns desde que o Intergovernmental
Panel on Climate Change (IPCC), ou o Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas, após divulgar seu quarto relatório, em
2007, recebeu o prêmio Nobel da Paz junto com o ex-presidente dos
Estados Unidos, Al Gore. A princípio, a conclusão dos estudos
reunidos pelo organismo internacional vinculado à ONU foi que a
atividade antrópica influenciava de forma direta e inédita nas
condições climáticas do planeta e que tal influência poderia
resultar em situações catastróficas do ponto de vista ambiental
para o futuro.
O
alerta gerou polêmica e colocou em evidência o debate que trata a
relação entre o Homem e o meio ambiente. O foco, desde então,
recaiu sobre a extração, produção e consumo de combustíveis
fósseis no século XX e XXI, ou seja, a energia oriunda de fontes
não-renováveis, assim como sobre a expansão de atividades de cunho
industrial e agropecuário que, de acordo com o pesquisador titular
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Carlos Nobre4,
contribuem significativamente para a emissão de gases nocivos à
atmosfera, tal qual o CO2.
Contudo,
a ascensão gradativa de uma agenda internacional pautada na
abordagem dos impactos ambientais em escala global fez necessária a
melhor compreensão das ocorrências meteorológicas do passado, em
específico, das mudanças climáticas naturais ou aquelas que têm
origem em causas naturais e que nos são conhecidas principalmente
através dos registros geológicos. São indícios muitas vezes
relatados desde a Antiguidade5,
mas cujo conhecimento científico é bastante recente.
Dentre
esses conceitos, deve-se destacar como primordial a ideia contida na
formulação da Deriva Continental e que depois foi aprimorada pela
teoria da Expansão do Assoalho Oceânico ou a tectônica de placas.
O
que é tectônica de placas?
No
início do século XX, o meteorologista e geofísico alemão Alfred
Lothar Wegener tentou explicar a formação dos continentes, e
esclarecer conseqüentemente outras incógnitas em relação à
superfície terrestre, propondo a Teoria da Deriva Continental. A
hipótese de Wegener era a de que o recorte complementar entre as
linhas costeiras de certos continentes indicavam que os mesmos
poderiam ter se desprendido no passado e se movimentado como “barcas
rochosas”6.
Quando unidos, apontou Wegener, tais blocos chegaram a formar um
único continente, o Pangeia, que era circundado pelo imenso oceano
denominado Pantalassa – e que comportava anexo o Mar de Tétis.
Apesar
de sugestiva, a proposta de Wegener foi considerada romântica por
alguns cientistas uma vez que não respondia à pergunta: se os
continentes flutuam sobre a crosta dos oceanos, qual força é
responsável por essa movimentação? Wegener faleceu na Groenlândia,
em 1930, durante pesquisas científicas e, mesmo que suas ideias
tenham sido refinadas pelo geólogo sul-africano Alex du Tout, em
1937, somente na década de 1960 é que as lacunas sobre a
movimentação dos continentes começaram a ser preenchidas.
Segundo
os norte-americanos Harry Hess e Robert Dietz, os processos
responsáveis pela dinâmica da Terra estavam vinculados basicamente
ao movimento das placas litosféricas. A resposta dos cientistas veio
dos fundos oceânicos e das rochas coletadas em regiões como as
dorsais mesoceânicas (cadeias de montanhas localizadas nas
profundezas do mar).
“Hess
e Dietz demonstraram que os continentes e a crosta oceânica não
apenas se movem em conjunto como segmentos íntegros rígidos, mas
que nova crosta oceânica se forma periodicamente a partir da
consolidação de magma que se forma quando se abrem fissuras na
litosfera oceânica, aliviando a pressão e permitindo, assim, a
fusão do manto sólido.”
(Toledo
et al, 2014)
Isso
implica que, à medida que o magma alcança a litosfera oceânica,
uma nova camada de materiais é formada – o que provoca elevações
no assoalho e o conseqüente surgimento de cadeias ou dorsais nessas
áreas. No sentido horizontal, o material acrescido à borda das
placas se espalha e se distancia da dorsal mesoceânica indo ao
encontro das porções continentais resultando, entre outros, o
fenômeno de subducção e a formação das fossas oceânicas. Na
engenharia desse mecanismo natural soma-se ainda a influência de
fatores como o campo magnético terrestre no espalhamento do
assoalho.
Com
o suporte de novos equipamentos e metodologias, percebeu-se também
que tal expansão – ou o movimento relativo de placas – provoca a
ocorrência de limites, falhas e zonas de fratura, tanto nos oceanos
quanto nos continentes. São essas divisões que delimitam as porções
fragmentadas de camadas litosféricas, usualmente chamadas de placas
tectônicas. Ao todo, existem doze placas principais, além de
diversas outras menores, que ocupam 94% da superfície terrestre ora
em regiões oceânicas ora continentais, ou então, em ambos os
casos.
Posto
que as mensurações mais avançadas em geofísica indicam o
deslocamento desses blocos na ordem de centímetros por ano, vale
ressaltar que a força que atua na dinâmica terrestre ainda não se
tornou consenso entre a comunidade científica. O embate, porém, não
impede a obtenção de dados e resultados cada vez mais consistentes.
Atualmente, mesmo com certas divergências, trabalha-se com a teoria
da Tectônica Global que entende todo o processo de movimentação da
litosfera fundamentado no fluxo de calor interno e na gravidade da
Terra mais a interação complexa entre as diversas camadas do
planeta (desde o núcleo interno até a exosfera, ou além da
atmosfera7).
Meio
ambiente e tectônica de placas
A
deriva continental incide em mudanças climáticas que aparentemente
não são percebidas pelos seres humanos, se levarmos em consideração
a ação lenta e morosa das placas litosféricas. No entanto, todo o
mecanismo que engendra a tectônica de placas responde em grande
parte pela paisagem que experimentamos no dia a dia. Locais como a
Cordilheira dos Andes, por exemplo, são efeito do choque ocorrido a
uma dezena de milhões de anos entre dois grandes blocos: a Placa de
Nazca e a Placa Sul-Americana8.
Ainda
hoje a região registra o fenômeno de subducção, provocados pela
ação dos limites convergentes, que o ocorre no Pacífico e
influencia nos terremotos e vulcanismos que abalam o continente, em
especial, o Chile.
A
questão é que a tectônica de placas contribui para uma série de
eventos que se enquadram entre as situações extremas de tempo e
clima. Tais ocorrências são naturais e, dependendo da dimensão do
fenômeno, podem causar não só alterações drásticas na
temperatura da Terra como também aniquilar boa parte das espécies
de seres vivos – como já aconteceu em períodos remotos.
É
por isso que pesquisas realizadas a partir do século XX têm
demonstrado que o entendimento sobre as mudanças climáticas
perpassa também por uma nova concepção sobre o que é um período
histórico. Nesse sentido, o estudo de fósseis e de vestígios de
toda ordem coletados em diversas partes da Terra vêm possibilitando
estabelecer a escala do tempo geológico e reconstruir o padrão de
temperatura média global, assim como do nível médio do mar, nos
últimos 500 milhões de anos9.
Considerações
finais
Dado
o curto período de existência humano, que nos permite vivenciar (ou
testemunhar) apenas uma fração de tempo muito pequena em relação
à constituição da Terra (tempo geológico), o que se apresenta
evidente em termos climáticos na atualidade é a mudança em direção
ao aquecimento global. Isso ocorre devido não apenas à experiência
sensorial em si, mas também ao maior controle na medição dos
principais indicativos responsáveis pela variação da temperatura –
estações do ano, latitude, altitude, efeito de continentalidade,
correntes oceânicas e padrões de circulação atmosférica.
Todavia,
ao investigarmos o passado é notório a ocorrência de períodos
regulares onde o clima se manteve equilibrado no que diz respeito as
suas particularidades em determinada época, tal como vivemos ao
longo do holoceno, mas também há registros de mudanças bruscas em
que referenciais como a temperatura sofreram alterações extremas10.
Em diferentes eras, dinâmicas como a tectônica de placas, associada
a outras ocorrências, ganharam uma dimensão desproporcional se
comparadas ao que se registra nos dias atuais com a atividade
vulcânica, por exemplo. Uma vez expostos a esses eventos altamente
impactantes, os seres humanos provavelmente não sobreviveriam.
Na
recorrência desse cenário, concomitantemente, as placas
litosféricas levariam adiante todo o seu paquidérmico frenesi,
cuidando de remodelar completamente a superfície da Terra e de
deixar tudo em perfeita harmonia num determinado período de tempo.
Ou seja, possivelmente criando outra vez as condições ideais para
que se faça sol, chuva ou neve. Tudo isso, sem deixar de lado a
adoção imprescindível daquela velocidade tartarugal que vem
arrastando a crosta terrestre por algumas centenas de milhões de
anos.
Referências
bibliográficas:
BURNET,
J. O
despertar da filosofia grega.
Tradução de Mauro Gama. São Paulo: Siciliano, 1994.
RAVEN,
J. E.; KIRK, G. S.; SCHOFIELD, M.
Os
Filósofos Pré-Socráticos.
Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 8ª ed., 2013.
TOLEDO,
M. C. M; TEIXEIRA, W.; FAIRCHILD, T.; TAIOLI, F.
Decifrando
a Terra.
2ª. ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 2009.
TOLEDO,
M. C. M.; TEIXEIRA, W.; BOUROTTE, C. L. M. Geologia. 1ª
ed. São Paulo: USP/Univesp/Edusp, 2014.
YNOUE,
R. Y.; REBOITA, M. S.; AMBRIZZI, T.; DA SILVA, G. A. M.; BOIASKI, N.
T. Meteorologia. 1ª
ed. São Paulo: USP/Univesp/Edusp, 2014.
Páginas
eletrônicas:
Revista
Time. Meat-Eating Vs. Driving:
Another Climate Change Error? Autor: Lisa Abend, 27/10/2010.
Disponível em:
http://www.time.com/time/health/article/0,8599,1975630,00.html.
Último acesso: 03/12/2014, 10h40.
Boletim
Fapesp. Desafios das mudanças
climáticas é tema de pesquisa. Autor: Fabio Reynol, 15/12/2010.
Disponível em:
http://www.bv.fapesp.br/namidia/noticia/40332/desafios-mudancas-climaticas-tema-pesquisa/.
Último acesso: 04/12/2014, 20h15.
Revista
Pesquisa Fapesp. Edição 223, 2014. O passado remoto de um
grande rio. Autor: Igor Zolnerkevic. Disponível
em:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/09/16/o-passado-remoto-de-um-grande-rio/.
Intergovernmental
Panel on Climate Change. Climate
change 2007: mitigation of climate changes. Working group III, 8.3.2
– Future global trends. Disponível em:
http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg3/en/ch8s8-3-2.html.
1Cf.
Ynoue et al, o tempo entendido como uma referência ao estado
momentâneo da atmosfera, pág. 243.
2A
prestigiada revista norte-americana Time publicou, em 27/03/2010,
matéria denunciando a polêmica em torno das informações
divulgadas pelo 4° relatório do IPCC – quando hackers invadiram
o sistema da Universidade de East Anglia e interceptaram uma troca
de e-mail comprometedora entre os cientistas. A repercussão desta
matéria pode ser vista nas duas retificações providenciadas no
texto, de acordo com o site time.com, em 31/03/2010 e 23/06/2010.
3Após
o ano 2000, as mudanças climáticas deixaram de ser uma discussão
voltada apenas à esfera científica e ganharam as capas de jornais,
programas de TV de grande audiência, as salas de aulas e outros
espaços públicos.
4Em
2010, Nobre divulgou, segundo boletim da Fapesp, a informação de
que cerca de 56% das emissões de dióxido de carbono no Brasil
ocorria principalmente por queimadas na região amazônica. Em
seguida, estava a atividade agropecuária (24% das emissões) e,
depois, os meios de transporte e geração de energia (12%).
5Apesar
de o termo meteorologia ser de origem grega e creditado a
Aristóteles – que, por volta de 340 a.C., escreveu sobre o tema
abordando os seguintes tópicos: nuvens, chuva, neve, vento,
granizo, trovão e furacões – pesquisadores como Kirk et al. e
Burnet, cada qual com suas interpretações, dão como certa a
referência de filósofos como Tales de Mileto (VI a.C.) a questões
exclusivamente meteorológicas.
6Cf.
Maria Cristina Motta de Toledo et al, Wegener se apoiou também nas
semelhanças existentes entre América do Sul e África quanto às
feições geomorfológicas, estruturas geológicas em rochas,
registros de atividades glaciais, análise de fósseis da flora,
entre outros, pág. 85.
7O
impacto de um cometa de média ou grande dimensão, por exemplo, na
superfície terrestre poderia rearranjar toda a geografia do
planeta.
8À
bacia Amazônica, que é determinada pela constituição dos Andes,
sugere-se a formação em 10,5 milhões de anos, segundo estudos de
Victor Sacek (USP).
9Cf.
Youne et al, in Meteorologia, pág. 284.
10No
parque do Varvito, em Itu (SP), encontram-se formações de rochas
sedimentares com sucessão repetitiva de lâminas ou camadas, cada
uma delas depositada durante o intervalo de uma estação. São
evidências de uma extensa idade glacial há aproximadamente 300
milhões de anos.
* Texto apresentado na disciplina Metereologia, no 2° semestre, da turma de Ciências 2014, da Universidade de São Paulo (USP).
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