sexta-feira, fevereiro 06, 2015

Tectônica de placas, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas*

A ação lenta e contínua da Deriva Continental no clima e temperatura da Terra

 “Desde o topo da montanha à praia do mar...
tudo está em estado de mudança”,
James Hutton, em A Teoria da Terra.

Variações de temperatura média nas grandes cidades, em regiões metropolitanas ou mesmo em localidades inóspitas e ainda despovoadas, ganharam um contorno diferente para a opinião pública nos últimos anos. Com base em dados meteorológicos armazenados em registros históricos, aliado ao surgimento de novas tecnologias e de modelos aperfeiçoados de mensuração do tempo1, cientistas e pesquisadores avançaram com sucesso no entendimento dos mais variados fenômenos climáticos, bem como de suas transformações.

Embora delicada2, a discussão em torno das mudanças climáticas deixou a exclusividade dos laboratórios de pesquisa, foi ao noticiário popular3 e adentrou os lares mais comuns desde que o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), ou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, após divulgar seu quarto relatório, em 2007, recebeu o prêmio Nobel da Paz junto com o ex-presidente dos Estados Unidos, Al Gore. A princípio, a conclusão dos estudos reunidos pelo organismo internacional vinculado à ONU foi que a atividade antrópica influenciava de forma direta e inédita nas condições climáticas do planeta e que tal influência poderia resultar em situações catastróficas do ponto de vista ambiental para o futuro.

O alerta gerou polêmica e colocou em evidência o debate que trata a relação entre o Homem e o meio ambiente. O foco, desde então, recaiu sobre a extração, produção e consumo de combustíveis fósseis no século XX e XXI, ou seja, a energia oriunda de fontes não-renováveis, assim como sobre a expansão de atividades de cunho industrial e agropecuário que, de acordo com o pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Carlos Nobre4, contribuem significativamente para a emissão de gases nocivos à atmosfera, tal qual o CO2.

Contudo, a ascensão gradativa de uma agenda internacional pautada na abordagem dos impactos ambientais em escala global fez necessária a melhor compreensão das ocorrências meteorológicas do passado, em específico, das mudanças climáticas naturais ou aquelas que têm origem em causas naturais e que nos são conhecidas principalmente através dos registros geológicos. São indícios muitas vezes relatados desde a Antiguidade5, mas cujo conhecimento científico é bastante recente.

Dentre esses conceitos, deve-se destacar como primordial a ideia contida na formulação da Deriva Continental e que depois foi aprimorada pela teoria da Expansão do Assoalho Oceânico ou a tectônica de placas.

O que é tectônica de placas?

No início do século XX, o meteorologista e geofísico alemão Alfred Lothar Wegener tentou explicar a formação dos continentes, e esclarecer conseqüentemente outras incógnitas em relação à superfície terrestre, propondo a Teoria da Deriva Continental. A hipótese de Wegener era a de que o recorte complementar entre as linhas costeiras de certos continentes indicavam que os mesmos poderiam ter se desprendido no passado e se movimentado como “barcas rochosas”6. Quando unidos, apontou Wegener, tais blocos chegaram a formar um único continente, o Pangeia, que era circundado pelo imenso oceano denominado Pantalassa – e que comportava anexo o Mar de Tétis.

Apesar de sugestiva, a proposta de Wegener foi considerada romântica por alguns cientistas uma vez que não respondia à pergunta: se os continentes flutuam sobre a crosta dos oceanos, qual força é responsável por essa movimentação? Wegener faleceu na Groenlândia, em 1930, durante pesquisas científicas e, mesmo que suas ideias tenham sido refinadas pelo geólogo sul-africano Alex du Tout, em 1937, somente na década de 1960 é que as lacunas sobre a movimentação dos continentes começaram a ser preenchidas.

Segundo os norte-americanos Harry Hess e Robert Dietz, os processos responsáveis pela dinâmica da Terra estavam vinculados basicamente ao movimento das placas litosféricas. A resposta dos cientistas veio dos fundos oceânicos e das rochas coletadas em regiões como as dorsais mesoceânicas (cadeias de montanhas localizadas nas profundezas do mar).

Hess e Dietz demonstraram que os continentes e a crosta oceânica não apenas se movem em conjunto como segmentos íntegros rígidos, mas que nova crosta oceânica se forma periodicamente a partir da consolidação de magma que se forma quando se abrem fissuras na litosfera oceânica, aliviando a pressão e permitindo, assim, a fusão do manto sólido.”
(Toledo et al, 2014)

Isso implica que, à medida que o magma alcança a litosfera oceânica, uma nova camada de materiais é formada – o que provoca elevações no assoalho e o conseqüente surgimento de cadeias ou dorsais nessas áreas. No sentido horizontal, o material acrescido à borda das placas se espalha e se distancia da dorsal mesoceânica indo ao encontro das porções continentais resultando, entre outros, o fenômeno de subducção e a formação das fossas oceânicas. Na engenharia desse mecanismo natural soma-se ainda a influência de fatores como o campo magnético terrestre no espalhamento do assoalho.

Com o suporte de novos equipamentos e metodologias, percebeu-se também que tal expansão – ou o movimento relativo de placas – provoca a ocorrência de limites, falhas e zonas de fratura, tanto nos oceanos quanto nos continentes. São essas divisões que delimitam as porções fragmentadas de camadas litosféricas, usualmente chamadas de placas tectônicas. Ao todo, existem doze placas principais, além de diversas outras menores, que ocupam 94% da superfície terrestre ora em regiões oceânicas ora continentais, ou então, em ambos os casos.

Posto que as mensurações mais avançadas em geofísica indicam o deslocamento desses blocos na ordem de centímetros por ano, vale ressaltar que a força que atua na dinâmica terrestre ainda não se tornou consenso entre a comunidade científica. O embate, porém, não impede a obtenção de dados e resultados cada vez mais consistentes. Atualmente, mesmo com certas divergências, trabalha-se com a teoria da Tectônica Global que entende todo o processo de movimentação da litosfera fundamentado no fluxo de calor interno e na gravidade da Terra mais a interação complexa entre as diversas camadas do planeta (desde o núcleo interno até a exosfera, ou além da atmosfera7).

Meio ambiente e tectônica de placas

A deriva continental incide em mudanças climáticas que aparentemente não são percebidas pelos seres humanos, se levarmos em consideração a ação lenta e morosa das placas litosféricas. No entanto, todo o mecanismo que engendra a tectônica de placas responde em grande parte pela paisagem que experimentamos no dia a dia. Locais como a Cordilheira dos Andes, por exemplo, são efeito do choque ocorrido a uma dezena de milhões de anos entre dois grandes blocos: a Placa de Nazca e a Placa Sul-Americana8.

Ainda hoje a região registra o fenômeno de subducção, provocados pela ação dos limites convergentes, que o ocorre no Pacífico e influencia nos terremotos e vulcanismos que abalam o continente, em especial, o Chile.

A questão é que a tectônica de placas contribui para uma série de eventos que se enquadram entre as situações extremas de tempo e clima. Tais ocorrências são naturais e, dependendo da dimensão do fenômeno, podem causar não só alterações drásticas na temperatura da Terra como também aniquilar boa parte das espécies de seres vivos – como já aconteceu em períodos remotos.

É por isso que pesquisas realizadas a partir do século XX têm demonstrado que o entendimento sobre as mudanças climáticas perpassa também por uma nova concepção sobre o que é um período histórico. Nesse sentido, o estudo de fósseis e de vestígios de toda ordem coletados em diversas partes da Terra vêm possibilitando estabelecer a escala do tempo geológico e reconstruir o padrão de temperatura média global, assim como do nível médio do mar, nos últimos 500 milhões de anos9.

Considerações finais

Dado o curto período de existência humano, que nos permite vivenciar (ou testemunhar) apenas uma fração de tempo muito pequena em relação à constituição da Terra (tempo geológico), o que se apresenta evidente em termos climáticos na atualidade é a mudança em direção ao aquecimento global. Isso ocorre devido não apenas à experiência sensorial em si, mas também ao maior controle na medição dos principais indicativos responsáveis pela variação da temperatura – estações do ano, latitude, altitude, efeito de continentalidade, correntes oceânicas e padrões de circulação atmosférica.

Todavia, ao investigarmos o passado é notório a ocorrência de períodos regulares onde o clima se manteve equilibrado no que diz respeito as suas particularidades em determinada época, tal como vivemos ao longo do holoceno, mas também há registros de mudanças bruscas em que referenciais como a temperatura sofreram alterações extremas10. Em diferentes eras, dinâmicas como a tectônica de placas, associada a outras ocorrências, ganharam uma dimensão desproporcional se comparadas ao que se registra nos dias atuais com a atividade vulcânica, por exemplo. Uma vez expostos a esses eventos altamente impactantes, os seres humanos provavelmente não sobreviveriam.

Na recorrência desse cenário, concomitantemente, as placas litosféricas levariam adiante todo o seu paquidérmico frenesi, cuidando de remodelar completamente a superfície da Terra e de deixar tudo em perfeita harmonia num determinado período de tempo. Ou seja, possivelmente criando outra vez as condições ideais para que se faça sol, chuva ou neve. Tudo isso, sem deixar de lado a adoção imprescindível daquela velocidade tartarugal que vem arrastando a crosta terrestre por algumas centenas de milhões de anos.

Referências bibliográficas:

BURNET, J. O despertar da filosofia grega. Tradução de Mauro Gama. São Paulo: Siciliano, 1994.
RAVEN, J. E.; KIRK, G. S.; SCHOFIELD, M. Os Filósofos Pré-Socráticos. Tradução de Carlos Alberto Louro Fonseca. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 8ª ed., 2013.
TOLEDO, M. C. M; TEIXEIRA, W.; FAIRCHILD, T.; TAIOLI, F. Decifrando a Terra. 2ª. ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 2009.
TOLEDO, M. C. M.; TEIXEIRA, W.; BOUROTTE, C. L. M. Geologia. 1ª ed. São Paulo: USP/Univesp/Edusp, 2014.
YNOUE, R. Y.; REBOITA, M. S.; AMBRIZZI, T.; DA SILVA, G. A. M.; BOIASKI, N. T. Meteorologia. 1ª ed. São Paulo: USP/Univesp/Edusp, 2014.

Páginas eletrônicas:

Revista Time. Meat-Eating Vs. Driving: Another Climate Change Error? Autor: Lisa Abend, 27/10/2010. Disponível em: http://www.time.com/time/health/article/0,8599,1975630,00.html. Último acesso: 03/12/2014, 10h40.
Boletim Fapesp. Desafios das mudanças climáticas é tema de pesquisa. Autor: Fabio Reynol, 15/12/2010. Disponível em: http://www.bv.fapesp.br/namidia/noticia/40332/desafios-mudancas-climaticas-tema-pesquisa/. Último acesso: 04/12/2014, 20h15.
Revista Pesquisa Fapesp. Edição 223, 2014. O passado remoto de um grande rio. Autor: Igor Zolnerkevic. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/09/16/o-passado-remoto-de-um-grande-rio/.
Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate change 2007: mitigation of climate changes. Working group III, 8.3.2 – Future global trends. Disponível em: http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/wg3/en/ch8s8-3-2.html.

1Cf. Ynoue et al, o tempo entendido como uma referência ao estado momentâneo da atmosfera, pág. 243.
2A prestigiada revista norte-americana Time publicou, em 27/03/2010, matéria denunciando a polêmica em torno das informações divulgadas pelo 4° relatório do IPCC – quando hackers invadiram o sistema da Universidade de East Anglia e interceptaram uma troca de e-mail comprometedora entre os cientistas. A repercussão desta matéria pode ser vista nas duas retificações providenciadas no texto, de acordo com o site time.com, em 31/03/2010 e 23/06/2010.
3Após o ano 2000, as mudanças climáticas deixaram de ser uma discussão voltada apenas à esfera científica e ganharam as capas de jornais, programas de TV de grande audiência, as salas de aulas e outros espaços públicos.
4Em 2010, Nobre divulgou, segundo boletim da Fapesp, a informação de que cerca de 56% das emissões de dióxido de carbono no Brasil ocorria principalmente por queimadas na região amazônica. Em seguida, estava a atividade agropecuária (24% das emissões) e, depois, os meios de transporte e geração de energia (12%).
5Apesar de o termo meteorologia ser de origem grega e creditado a Aristóteles – que, por volta de 340 a.C., escreveu sobre o tema abordando os seguintes tópicos: nuvens, chuva, neve, vento, granizo, trovão e furacões – pesquisadores como Kirk et al. e Burnet, cada qual com suas interpretações, dão como certa a referência de filósofos como Tales de Mileto (VI a.C.) a questões exclusivamente meteorológicas.
6Cf. Maria Cristina Motta de Toledo et al, Wegener se apoiou também nas semelhanças existentes entre América do Sul e África quanto às feições geomorfológicas, estruturas geológicas em rochas, registros de atividades glaciais, análise de fósseis da flora, entre outros, pág. 85.
7O impacto de um cometa de média ou grande dimensão, por exemplo, na superfície terrestre poderia rearranjar toda a geografia do planeta.
8À bacia Amazônica, que é determinada pela constituição dos Andes, sugere-se a formação em 10,5 milhões de anos, segundo estudos de Victor Sacek (USP).
9Cf. Youne et al, in Meteorologia, pág. 284.
10No parque do Varvito, em Itu (SP), encontram-se formações de rochas sedimentares com sucessão repetitiva de lâminas ou camadas, cada uma delas depositada durante o intervalo de uma estação. São evidências de uma extensa idade glacial há aproximadamente 300 milhões de anos.

* Texto apresentado na disciplina Metereologia, no 2° semestre, da turma de Ciências 2014, da Universidade de São Paulo (USP).

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