E. O. Wilson revela um segredo: Descobertas surgem de idéias, não
de números impressionantes
Professor emérito de Harvard, Edward O. Wilson (Jim Harisson/Wikimedia/Commons)
Para alguns jovens que pensam em se tornar cientistas, a matemática
é o grande pesadelo. Sem conhecimento matemático, como é que se
pode fazer um trabalho científico de verdade? Bom, eu tenho um
segredo profissional para revelar: alguns dos cientistas mais bens
sucedidos do mundo atualmente são semi-analfabetos em matemática.
Durante décadas como professor de biologia em Harvard, vi com
tristeza estudantes brilhantes desistirem da carreira científica
temendo que não pudessem obter sucesso sem grandes habilidades
matemáticas. Esse equívoco tem privado a ciência de enorme
quantidade de talentos, muitos deles desperdiçados. Isso criou uma
hemorragia criativa que precisa ser estancada.
Falo com autoridade sobre o assunto porque eu mesmo sou um caso
extremo. Até o primeiro ano na Universidade do Alabama, eu não
sabia nada sobre álgebra porque estudei durante anos nas escolas
precárias de Southern. Só fui aprender a calcular aos 32 anos,
quando me tornei professor de Harvard e depois que sentei,
desconfortavelmente, em uma sala de aula com estudantes que tinham
pouco mais que a metade da minha idade. Dois deles eram alunos no
curso de biologia evolucionista da qual eu era o professor. Tive que
engolir o meu orgulho e aprender a calcular.
Quando jovem, fui um estudante que mal se aproximava da nota C, e só
consegui me tranqüilizar quando descobri que ter uma grande
habilidade em matemática era a mesma coisa que ser fluente em
línguas estrangeiras. Em línguas é assim: com um pouco mais de
esforço e algumas sessões de conversação com estrangeiros,
consegue-se falar bem. Mas tudo isso compromete o laboratório e os
campos de pesquisa, e nos faz avançar em uma única direção.
Felizmente, o dom excepcional exigido pela matemática se restringe
somente a algumas disciplinas, tais como a física, astrofísica e
teoria da informação. Além disso, mais importante do que a ciência
como um todo é a habilidade de criar conceitos, momento em que o
pesquisador vislumbra intuitivamente imagens e modelos de pesquisa.
Às vezes, todo mundo viaja em idéias como um cientista. Bem
organizadas, as fantasias são o fio condutor de todo o pensamento
criativo. Newton sonhava, Darwin sonhava, você sonha. Nossos
primeiros devaneios são sempre muito vagos. Aos poucos vão tomando
forma, e crescem com maior consistência a medida que são esboçados
em blocos de papel e que ganham vida como exemplos reais do objetivo
da pesquisa.
Os primeiros cientistas raramente fizeram descobertas extraindo
idéias da matemática pura. A imagem estereótipo de cientistas
estudando linhas e mais linhas de equações no quadro negro servem
para exemplificar apenas descobertas já realizadas. As verdadeiras
“sacadas” surgem no campo das anotações, no meio do escritório
abarrotado de papéis rabiscados, no corredor durante uma discussão
com um amigo ou no almoço solitário. Os momentos de Eureca resultam
de trabalho pesado. E foco.
Idéias científicas surgem com facilidade quando os envolvidos na
pesquisa trabalham em prol do bem comum, em benefício de todos. De
forma intuitiva, os pesquisadores organizam suas idéias para melhor
extrair um fragmento real sobre tudo que existe. Quando algo novo é
encontrado, é necessário aplicar um modelo de avaliação que
sempre exige métodos estatísticos ou matemáticos para dar
prosseguimento às análises. As dificuldades técnicas que surgem
nessa fase são duras para quem realizou a descoberta, por outro
lado, a matemática e a estatística podem ser vistas como grandes
colaboradores.
Na década de 1970, desenvolvi junto com o teórico matemático
George Oster os princípios de casta e de divisão de trabalho em
sociedades de insetos. Forneci os detalhes a respeito do que havia
sido descoberto na natureza e nos laboratórios, e ele utilizou seu
kit de ferramentas, cheio de hipóteses e teorias, para capturar
esses fenômenos. Sem as minhas informações, Oster poderia até
desenvolver uma teoria geral, mas não teria como deduzir quais as
variações seriam possíveis em relação aos fenômenos.
Durante anos, publiquei diversos estudos em co-autoria com
estatísticos e matemáticos afim de oferecer mais credibilidade aos
princípios adotados. Chamo a isso de o 1° Princípio de Wilson: é
bem mais fácil para os cientistas adquirir a colaboração
indispensável de estatísticos e matemáticos dos que os mesmos
encontrar cientistas capazes de utilizar suas equações.
Esse impasse é um caso específico na biologia, onde fatores da vida
real se transformam em fenômenos mal compreendidos ou que passam
despercebidos, sem que sejam notados. Os anais teóricos da biologia
estão entupidos de modelos matemáticos que podem ser
satisfatoriamente ignorados ou, se testados, falhos. É bem provável
que somente 10% de tudo isso tenha valor duradouro. Ou seja,
salvam-se aqueles ligados diretamente com o conhecimento empregado na
vida real.
Se o seu nível de competência matemática é pequeno, planeje
aumentá-lo, entretanto, saiba que você pode fazer um trabalho
científico marcante com o que você tem em mãos. Mas, pense duas
vezes, ao se especializar em campos que trabalham com experimentos de
estreita alternância e com análises quantitativas. Isso inclui a
maioria dos químicos e físicos, bem como alguns especialistas em
biologia molecular.
Newton inventou cálculos como forma de dar vazão a sua imaginação.
Darwin não tinha quase habilidade alguma em matemática, mas, com a
enorme quantidade de informações que acumulou, pode conceber
sistemas que tempos depois seriam utilizados por matemáticos.
Aos aspirantes a cientista, o primeiro passo é encontrar um assunto
que seja profundamente interessante e que se tornará seu principal
foco. Ao fazê-lo, tenha em mente o 2° Princípio de Wilson: para
todo cientista, existe uma disciplina cujo o nível de exigência em
matemática não compromete o alcance da excelência.
Fonte: Wall Street Journal
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